Bem estar, saúde, longevidade e felicidade são eternos objetivos
que buscamos conquistar em nossas vidas. São temas que vendem revistas, que
chamam a atenção em programas televisivos e que, graças a este interesse, são
constantemente revisitados em pesquisas acadêmicas. Nunca se buscou tanto ser
feliz e saudável, ao mesmo tempo em que o ser humano nunca pareceu estar tão
longe destes estados.
No mundo atual, a grande
preocupação de todas as pessoas têm sido a segurança e estabilidade financeira.
Evidentemente que esta também deve ser uma meta de todos nós, mas quando a
preocupação com perdas e ganhos materiais começa a prejudicar a saúde, devemos
nos questionar quais são nossas verdadeiras prioridades e como, de fato,
queremos viver a vida. Há um ditado chinês que diz: “pessoas que usam suas
vidas para ganhar dinheiro até os 40 anos terão de trocar seu dinheiro por suas
vidas após os 40 anos”. Será que queremos nos encaixar nesta máxima?
Existe um tipo bastante comum de paciente nos
consultórios de Acupuntura e de Medicina Chinesa; são pessoas que não se sentem
bem, apresentam queixas e sintomas físicos e emocionais que os levaram a buscar
tratamentos convencionais, sem que o sucesso houvesse sido encontrado nos
diagnósticos possíveis e tratamentos prescritos. Em resumo, são pessoas que,
apesar de não possuírem nenhuma “doença” específica, tampouco se sentem
saudáveis. Na grande maioria das vezes, após a adoção de prescrições
alimentares, tratamento com agulhas, moxibustão ou ervas, práticas como o Qi
Gong e a meditação, estes mesmos pacientes relatam sentir-se melhor, com
diminuição significativa dos sintomas que antes tanto os incomodavam.
Este tipo de paciente representa um grande desafio
aos profissionais de medicina tradicional ocidental, pois não se encaixam nem
na categoria de “doentes”, mas também são podem ser considerados “saudáveis”. O
mais correto seria dizer que estas pessoas vivem em um estado de “sub-saúde”,
categoria esta que não encontra ressonância no sistema básico de saúde, quase
que exclusivamente centrado em consertar problemas – ou, no caso, curar
doenças. Um risco muito grande que existe, nestes casos, é o fato de que estes pacientes
encontram alívio temporário dos sintomas através do uso de medicações
alopáticas paliativas (como estabilizadores de humor ou analgésicos, por
exemplo), acarretando a possibilidade de desenvolverem, eventualmente, até
mesmo dependência física ou psicológica destas substâncias.
Do ponto de vista dos hospitais terem se
transformado em grandes “centros de reparação de estragos”, e da concepção da
saúde como o estado de ausência de doenças, qual o lugar que existe atualmente
para questões referentes à “simples” sensação de bem-estar, verdadeira saúde,
longevidade e felicidade?
Medicina Chinesa: uma visão
holística
O Huangdi Neijing (Clássico do Imperador Amarelo),
uma das principais obras da Medicina Tradicional Chinesa, traz logo no início a
seguinte pergunta, feita pelo Imperador Amarelo, ao sábio Qibo, seu
conselheiro: “Me disseram que os antigos chegavam a viver mais de 100 anos e
seus corpos e movimentos pareciam não envelhecer. Hoje em dia as pessoas mal
passam dos 50 anos e se tornam fracos e se movimentam com dificuldade. Isto
acontece porque o mundo mudou ou porque as pessoas não sabem mais como
conservar suas vidas?”. A resposta recebida pelo Imperador Amarelo ainda é
válida nos dias de hoje; Qibo respondeu-lhe: “Os antigos que praticavam o Dao,
sabiam como se adaptar às leis de Yin e Yang e seguiam os caminhos para nutrir
suas vidas. Eles comiam moderadamente, dormiam regularmente e evitavam o
trabalho excessivo e também os excessos na vida sexual. Desta forma, seus
corpos e espíritos floresciam. Eles viviam os anos que lhes eram concedidos
pelos céus e morriam depois de 100 anos de idade”.
Oras, nem o Céu e nem a Terra em que nossos
antepassados viviam mudaram: ainda temos quatro estações no ano, o sol ainda
nasce e se põe todos os dias, a lua nasce, cresce, míngua e desaparece, e por
aí vai. Mas os homens mudaram. Nossos hábitos e estilo de vida mudaram
radicalmente: nossos desejos por determinados alimentos (e a grande oferta dos
industrializados), pelo sexo, nossas vestimentas, casas e automóveis vem se
tornando cada vez mais fortes e importantes. Nos afastamos cada vez mais dos
seres humanos que éramos no passado, e que viviam em conformidade com a
natureza e suas necessidades e possibilidades. Alteramos nosso funcionamento, e
o resultado disso é o estresse do corpo, da mente e do espírito. Vivemos em
desequilíbrio. Se fôssemos capazes de viver de acordo com as leis de Yin e Yang
e seguíssemos o caminho de nutrir nossas vidas, como pregou Qibo há mais de 2
mil anos, talvez voltássemos a viver tanto quanto nossos antepassados viviam. E
mais do que quantidade de vida, teríamos maior qualidade de vida.
A Medicina Tradicional Chinesa possui duas
características principais que permitem que esteja mais próxima de uma prática
médica cujo foco é o bem-estar, e não a ausência de doenças. A primeira delas é
o princípio de Holismo, em que o todo e a parte se misturam o tempo todo. Da
mesma forma que existe o universo, existe o corpo humano. Da mesma forma que
existem as galáxias, existem os sistemas do corpo. Da mesma forma que existem
os sistemas solares, existem os órgãos do corpo. E da mesma forma que existem
os planetas, que formam os sistemas solares, existem as células que formas
estes órgãos. E assim como existem todas as formas de vida no planeta Terra,
existem todas as estruturas dentro das células. E assim se segue, em um
processo infinito de parte e todo; o ser humano é apenas uma forma de vida de
um pequeno planeta de um dos sistemas solares de uma das inúmeras galáxias que
existem no universo, mas ao mesmo tempo é senhor do seu universo, seu corpo, e
de todos os sistemas que existem neste universo.
Entretanto, da mesma forma que o Universo é bem mais
do que a simples soma de galáxias e sistemas solares e planetas e formas de
vida, o ser humano é muito mais do que a soma de células. Existem leis que
regem estes todos, e o ser humano está sujeito, como parte do Universo, a todas
as leis que regem o Universo. A Física vem tentando desvendar e aplicar algumas
destas leis, e algumas já são nossas velhas conhecidas: a lei da gravidade, da
inércia, da ação e reação são apenas as mais conhecidas delas. O Homem, como
parte do Universo, está sujeito a estas mesmas leis, e uma delas, em
específico, está intimamente relacionada com os processos de adoecimento e de
perda de qualidade de vida na ótica médica chinesa: a lei da ação e reação;
afinal, poucas são as doenças que nos acometem sem que tenhamos um
comportamento que foi fundamental no desencadeamento do adoecimento. A
contaminação por vírus, ou bactérias, as grandes epidemias que matam centenas
de milhares de pessoas poderiam ser caracterizadas como doenças que invadem o
nosso corpo sem que tenhamos feito alguma coisa para que colhamos este estado
doentio como consequência de nossos atos. Mas até mesmo nestes casos, o que
justifica que determinadas pessoas entrem em contato com vírus ou demais
agentes patogênicos externos e não adoeçam, enquanto outras caem mortas em
pouquíssimo tempo?
Este questionamento nos leva a segunda
característica fundamental da Medicina Tradicional Chinesa, que é o princípio
da Diferenciação de Síndromes. As Síndromes são muito mais do que doenças. De
acordo com o dicionário, as síndromes são o conjunto agregado de sinais e
sintomas que permitem a determinação de uma condição específica; síndrome não é
doença, e sim uma condição médica. A Medicina Chinesa se utiliza da
diferenciação de síndromes para compreender as tendências que determinada
pessoa apresenta, sendo a síndrome compreendida como um estado de desarmonia
que propicia que determinadas patologias se desenvolvam. De acordo com dados
específicos colhidos durante o interrogatório diagnóstico e observados pelo
médico no momento da consulta, pode-se prever qual a tendência de adoecimento
de determinada pessoa, quais são os seus sistemas mais frágeis e, diante desta
compreensão, pode-se atuar na prevenção de estados patológicos mais graves que
podem se estabelecer no futuro.
Em outras palavras, pode-se reequilibrar o
sistema antes que ele se apresente falhando por completo.
Estas características permitem que uma infinidade de
pacientes que não se sentem bem mas, tampouco, estejam especificamente doentes,
encontrem acolhimento nos consultórios de profissionais que enxergam os
processos de saúde e doença de acordo com esta ótica holística e integrativa. O
diagnóstico é feito levando em consideração sinais e sintomas nem sempre
relacionados com a queixa específica trazida pelo paciente (afinal, qual seria,
intuitivamente, a relação entre constipação intestinal e pele seca com a ansiedade?).
O profissional não terá como objetivo a remoção de um sintoma específico, e sim
o restabelecimento do equilíbrio perdido que levou ao surgimento deste sintoma.
Para isso, existe uma infinidade de ferramentas que
poderão ser utilizadas. A Acupuntura, a Moxibustão, o uso de Ervas, a Meditação
e o Qi Gong, exercícios de visualização, utilização de cores específicas no
tratamento de determinados casos, exercícios físicos e prescrições alimentares
e a mudança de simples hábitos de vida são apenas alguns exemplos do que pode
ser empregado na busca de uma maior harmonia do sistema.
Felizmente, a abertura da China para o ocidente das
últimas décadas vem permitindo que suas ferramentas médicas sejam devidamente
testadas e comprovadas cientificamente pela comunidade médica
ocidental. Os últimos estudos sobre meditação comprovam o que os
praticantes relatam há séculos: uma alteração mensurável em zonas cerebrais
específicas relacionadas à empatia, atenção e percepção de si mesmo. Estes estudos conferem legitimilidade científica à técnicas que, até
pouco tempo atrás, eram consideradas “alternativas” e que, agora, vêm ocupando
o posto de “complementares”.
De um modo ou de outro, a Medicina Tradicional
Chinesa é uma ótima ferramenta para aqueles que buscam uma maior qualidade de
vida, bem estar, equilíbrio e harmonia. Para se beneficiar dela não é preciso
que apresente uma doença em específico, que o sofrimento tenha dominado
completamente a sua vida, ou que demais tratamentos considerados tradicionais
tenham falhado: basta que se tenha perdido a incrível capacidade de sentir-se
bem dentro de seu próprio corpo, de sua própria vida – de seu próprio Universo.
E você, como anda se sentindo em relação a si mesmo?
Fonte: Flávia Melissa