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8 de abr. de 2011

Viver sem medo...



Sinto uma armadura ao meu redor que me mantém distante das pessoas. Não sei de onde isso vem. Como dissolver isso?
Todo mundo tem esse tipo de armadura.

Existem razões para isso. Primeiro, a criança nasce tão desamparada num mundo no qual ela nada conhece. Naturalmente ela teme o desconhecido que a desafia. Ela ainda não esqueceu dos nove meses de absoluta segurança, de certeza, quando não havia nenhum problema, nenhuma responsabilidade, nenhuma preocupação com o amanhã.

Para nós são somente nove meses, mas para a criança é uma eternidade. Ela nada sabe do calendário; ela nada sabe sobre minutos, horas, dias, meses. Ela viveu uma eternidade em absoluta certeza e segurança, sem qualquer responsabilidade, e de repente, ela é jogada num mundo desconhecido, onde ela depende dos outros para tudo. É natural que ela se sinta amedrontada. Todos parecem grandes e poderosos, e ela não pode viver sem a ajuda dos outros. Ela sabe que é dependente, ela perdeu sua independência, sua liberdade. Pequenos incidentes vão dar a ela algum sabor da realidade que ela vai enfrentar no futuro.

Napoleão Bonaparte foi derrotado por Nelson, porém, na verdade, o crédito não deveria ir para Nelson. Napoleão Bonaparte foi derrotado por um pequeno incidente de sua infância. Porém a história não vê as coisas dessa maneira, mas para mim isso está absolutamente claro.
Quando ele tinha apenas seis meses de idade, um gato selvagem pulou em cima dele. A empregada que estava cuidando dele havia saído para fazer algo na casa; ele estava deitado no jardim tomando o sol da manhã e ar fresco, quando um gato selvagem pulou em cima dele. Isso não o machucou – talvez o gato estivesse apenas brincando – mas para a mente da criança foi quase como uma morte. Desde então, ele não tinha medo de tigres ou de leões; ele podia lutar com um leão sem armas, sem medo nenhum. Mas um gato? Isso era uma outra coisa. Ele estava completamente desamparado. Vendo um gato ele ficava quase congelado; ele tornava-se novamente uma criança pequena de seis meses, sem qualquer defesa, sem nenhuma capacidade de lutar. Para aqueles pequenos olhos de criança aquele gato deve ter parecido enorme; era um gato selvagem. O gato pode ter olhado nos olhos dele.

Alguma coisa em sua psique ficou tão impressionada pelo incidente que Nelson o explorou. Nelson não se comparava com Napoleão, e Napoleão nunca tinha sido derrotado em sua vida; essa foi sua primeira e última derrota. Ele não teria sido derrotado, mas Nelson trouxe setenta gatos para o campo de batalha.

Na hora em que Napoleão viu aqueles setenta gatos selvagens sua mente parou de funcionar. Seus generais não puderam entender o que havia acontecido. Ele não era mais o mesmo grande guerreiro; ele estava quase congelado de medo, tremendo. Ele nunca tinha permitido qualquer de seus generais organizar o exército, mas hoje ele disse, com lágrimas nos olhos, “Estou incapacitado de pensar – vocês organizem o exército. Estarei aqui, porém estou incapacitado de lutar. Alguma coisa deu errado comigo”.
Ele foi removido, mas sem Napoleão seu exército não era capaz de lutar contra Nelson, e vendo a situação de Napoleão, todos no exército ficaram um pouco amedrontados: algo muito estranho estava acontecendo.

Uma criança é frágil, vulnerável, insegura. Automaticamente ela começa a criar uma armadura, uma proteção, de diferentes maneiras. Por exemplo, ela tem que dormir sozinha. Está escuro e ela está assustada, mas ela tem seu ursinho de pelúcia, e ela acredita que não está sozinha; seu amigo está com ela. Vocês verão crianças arrastando seus ursinhos nos aeroportos, nas estações de trens. Vocês acham que é só um brinquedo? Para vocês pode ser, mas para a criança ele é um amigo. E um amigo quando ninguém mais ajuda – na escuridão da noite, sozinha na cama, ele ainda está com ela. Ela irá criar ursinhos psicológicos.

Isso é para lhe lembrar que embora um homem crescido possa achar que ele não possui ursinhos de brinquedo, ele está errado. O que é seu Deus? Apenas um ursinho de brinquedo. Do medo surgido na infância, o homem criou uma figura paterna que sabe tudo, que é todo-poderoso, que é onipresente; se você tiver bastante fé nele, ele lhe protegerá. Mas a própria idéia de proteção, a própria idéia de que um protetor é necessário, é infantil. Assim você aprende a orar; essas são somente partes de sua armadura psicológica. A oração é para lembrar a Deus que você está aqui, sozinho na noite.

Na minha infância eu ficava sempre espantado… Eu amava o rio, o qual ficava bem próximo, dois minutos andando da minha casa. Centenas de pessoas costumavam tomar banho lá e eu ficava sempre admirado... No verão quando eles mergulhavam no rio eles não repetiam o nome de Deus. Ele irá criar ursinhos psicológicos. “Hare Krishna, Hare Rama” não irá criar ursinhos psicológicos. Mas no inverno gelado eles repetiam, “Hare Krishna, Hare Rama”. Eles davam um rápido mergulho, repetindo, “Hare Krishna, Hare Rama”.

Eu ficava imaginando, será que a estação faz alguma diferença? Eu costumava perguntar aos meus pais, “Se esses são devotos de ‘Hare Krishna, Hare Rama’, então o verão é tão bom quanto o inverno”.

Contudo, não acho que isso tenha a ver com Deus ou oração ou religião; é simplesmente devido ao frio! Eles estão criando uma armadura repetindo “Hare Krishna, Hare rama”. Eles estão distraindo suas mentes. Está frio demais, e uma distração é necessária – e isso ajuda. No verão não há nenhuma necessidade; eles simplesmente esquecem tudo que estiveram fazendo no inverno.

Nossas orações, nossos cânticos, nossos mantras, nossas escrituras, nossos deuses, nossos sacerdotes, são tudo partes de nossa armadura psicológica. Isso é bem sutil. Um cristão acredita que ele será salvo – ninguém mais será. Agora isso é sua defesa organizada. Todo mundo vai para o inferno menos ele, devido a que ele é um cristão. Todavia cada religião acredita da mesma maneira que somente eles serão salvos.

Isso não é uma questão de religião. O problema é o medo e de ser salvo do medo, assim isso é natural de certa maneira. Mas num certo ponto de sua maturidade, a inteligência exige que isso seja abandonado. Isso foi bom quando você era uma criança, mas um dia você precisa deixar seus ursinhos de brinquedo, do mesmo jeito que um dia você precisa deixar seu Deus, da mesma maneira, um dia você tem que deixar seu Cristianismo, seu Hinduismo. Finalmente, no dia que você abandonar toda sua armadura significa que você deixou de viver a partir do medo.

E que tipo de vida pode existir a partir do medo? Uma vez abandonada à armadura você pode viver do amor, você pode viver de uma forma amadurecida. O homem totalmente amadurecido não tem medo, nem defesa; ele é psicologicamente completamente aberto e vulnerável.

Num ponto a armadura pode ser uma necessidade... Talvez seja. Mas quando você cresce, se você não estiver somente envelhecendo, porém também crescendo, crescendo em maturidade, assim você começará a ver o que você está carregando com você. Por que você acredita em Deus? Um dia você tem que ver por você mesmo que você nunca viu Deus, você não teve nenhum contato com Deus, e acreditar em Deus é viver uma mentira: Você não está sendo sincero.

Que tipo de religião pode haver quando não há nenhuma sinceridade, nenhuma autenticidade? Você não pode nem mesmo dar razões para suas crenças, e vocês ainda continuam apegados a elas.

Olhe mais de perto e você descobrirá medo por trás delas.

Uma pessoa amadurecida deve desconectar-se de tudo que estiver relacionado com o medo. É assim que a maturidade chega.

Apenas observe todos os seus atos, todas as suas crenças e descubra se elas estão baseadas na realidade, na experiência, ou se estão baseadas no medo. E qualquer coisa baseada no medo precisa ser imediatamente abandonada, sem um segundo pensamento. É uma armadura. Não posso dissolvê-la. Só posso simplesmente lhe mostrar como você pode abandoná-la.

Continuamos a viver a partir do medo – e assim vamos envenenando toda experiência. Amamos alguém, mas com base no medo: isso se deteriora, envenena. Buscamos a verdade, mas se a busca tiver base no medo, então você não irá encontrá-la.

O que quer que faça, lembre-se de uma coisa: Com base no medo você não irá crescer. Você irá apenas encolher e morrer. O medo está a serviço da morte.

Mahavira está certo: ele faz do destemor o fundamento de uma pessoa destemida. E posso entender o que ele quer dizer por destemor. Ele quer dizer abandonar toda a armadura. Uma pessoa destemida possui tudo que a vida quer lhe dar como um presente. Agora não há mais nenhuma barreira. Você será banhado com presentes, e tudo que você fizer terá um vigor, uma força, uma certeza, um tremendo sentimento de autoridade.

Um homem vivendo com base no medo está sempre tremendo por dentro. Ele está continuamente a ponto de ficar louco, porque a vida é imensa, e se você estiver continuamente com medo... E há todo tipo de medo. Você pode fazer uma lista enorme, e você ficará surpreso de quantos medos estão lá – e você ainda está vivo! Há infecções por toda parte, doenças, perigos, seqüestros, terroristas... E uma vida tão pequena. E finalmente existe a morte, a qual você não pode evitar. Toda sua vida ficará em trevas.

Abandone o medo! O medo foi inconscientemente adquirido por você na sua infância; agora, abandone-o conscientemente e amadureça. E então a vida pode ser uma luz que vai se aprofundando à medida que você vai crescendo.

Osho, Extraído de: Beyond Psychology

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